31 maio, 2012

A SECA DA SECA - Flávio Leandro



A hipocrisia política brasileira é assombrosa, especialmente, a de oposição. Parece que estamos vivendo algo extremamente novo em relação ao clima do nordeste quando o assunto é seca. Desde que o nordeste é nordeste a seca existe. Desde que política é política no Brasil, a cantilena é a mesma: Ninguém faz absolutamente nada de sério em prol de uma convivência harmoniosa do sertanejo com a seca. Agora, já com a bomba na iminência da explosão e, de calças curtas, conseqüência de uma política desqualificada no tocante a ações preventivas de combate ou diminuição dos efeitos da mesma, a regra é cortar. A tesoura da incompetência afiada pelos conselheiros dos tribunais de contas municipais dos estados nordestinos, lubrificada pelas patéticas oposições sertão afora e estampada pela mídia sensacionalista de nosso país, será manuseada, à força, pelos gestores do executivo do nordeste para cortar a sua maior festa, o São João. E, o que é pior, justo no ano do centenário do grande cantador das nossas coisas, Luiz Gonzaga. A quem devemos render as maiores homenagens. O homem que dentre mil genialidades, oficializou o São João. Infelizmente, nenhum fundo preventivo para momentos como estes, foi criado. E aí, querem tirar de onde não deve. Ora, as despesas com as Festas Juninas já foram previstas no orçamento do ano passado. De posse disso, a cadeia produtiva do São João se preparou para tal, como acontece todo ano. O hotel não dormiu no ponto, o restaurante comeu pra valer, as barracas, quiosques e afins não cochilaram, as lojas de roupas chitas, calças e camisas botaram sua melhor vestimenta, as costureiras estão apostas, os sons foram testados, os palcos estão quase montados, as luzes estão prontas pra calar o breu, os tocadores de forró prepararam o repertório e, o sertanejo, que não está morto, está sem água, e aí, se virem os políticos, já passou sebo nas canelas. Quer festa! Que mal há nisso? Não temos que assumir postura de mortos vivos e abdicarmos de nosso direito sagrado a alegria, que aliás, é o maior patrimônio do povo brasileiro. Cortar a festa junina do sertanejo da seca é punir com a lei quem já foi punido pela natureza. A seca é nossa realidade, seus efeitos escancarados, passados de geração em geração, são a prova de nossa falta de compromisso com o voto.

A agropecuária é um forte setor de qualquer economia no mundo, mas, quando ela vai mal, o que temos que fazer além de socorrer os diretamente penalizados, é fortalecer outros setores da economia para suprir essa falta. A roda da economia não pode parar. Quer um exemplo? Economize os R$ 10 milhões que são gastos no São João de Caruaru para você enterrar a economia local e retirar do seu povo os R$ 200 milhões que são gerados a partir da cadeia produtiva dessa festa. Idem Campina Grande, Petrolina, Amargosa, Cruz das Almas e Companhia. É um disparate! Um despautério! Como disse um dia não sei quem: É prosopopeia flácida pra acalentar bovinos. Temos que ficar atentos sim. Vigilantes. Na certeza de que nossos irmãos menos favorecidos e mais penalizados não passem privações. Na certeza de que a mão do governo está chegando para ampará-los e quando isso não ocorrer, denunciarmos. Na certeza de que, se preciso for, exercitaremos a maior concorrente de nossa alegria, a nossa generosidade. Sejamos humanos, não hipócritas, pois, a economia gerada com o corte nas festas juninas é café pequeno diante da grandiosidade da seca e, além de não irrigar nosso chão, deixará de chover no solo de outras áreas igualmente importantes de nossos parcos setores produtivos. Sigamos o exemplo de Israel que, quando chove, chove um décimo do nordeste, mas, no entanto, tem o maior sistema agropecuário do mundo. 
Quem escreve estas palavras é um cantador sertanejo de Bodocó-PE. Um forrozeiro. Que antes que alguém diga que está chorando atrás de shows, já avisa, que Graças a Deus, sua agenda junina está ótima. Um criador de ovelhas. Um matuto que gosta das Coisas do Sertão e suas nuances. Que nesse momento não se encontra em nenhuma praia do litoral brasileiro, mas, na zona rural de seu município. Na sua residência. No mato. No centro do centro do Nordeste. Vendo em cada amanhecer as agruras da seca, mas, tendo a convicção de que no primeiro momento em que o céu encher o seu bucho de nuvens e der cria a uma chuva o sertão vestirá sua melhor roupa, uma roupa verde, bela. Dará uma grande gargalhada e sairá, de novo, para outra festa!

Flávio Leandro – O Poeta Cantador
Numa manhã árida do dia 18.05.2012 em Bodocó-PE, no Rancho Febo, de Frente a Pedra do Claranã.

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