Pedra
do Reino: Crença em messias português gerou terrível massacre em São José do
Belmonte
Os episódios
históricos extraordinários aconteceram entre 1835 e 1838, no sertão de
Pernambuco, em região que atualmente pertence ao município de São José de
Belmonte, a 479 quilômetros de Recife. Lá se erguem dois pináculos rochosos paralelos, com cerca de trinta metros de
altura, incrustados de minérios que refletem a luz do Sol.
Sobre estes fatos, não
só Ariano Suassuna escreveu essa obra-prima que é "O Romance da Pedra do
Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta". Além dele, Euclides da Cunha
também faz menção ao fato em "Os Sertões", bem como José Lins do Rego
dedicou um romance ao tema, intitulado "Pedra Bonita" e
“Cangaceiros”.
Dom Sebastião, o
Desejado
Mas os fatos trágicos
e sangrentos que aconteceram na Pedra Bonita, no século 19, estão ligados a
outros, não menos trágicos e sangrentos, que ocorreram em Portugal e no
Marrocos, no século 16. Estes deram origem a um fenômeno mitológico-religioso
chamado sebastianismo, um messianismo lusitano, que também se arraigou no
sertão nordestino desde a época da Colônia.
Grosso modo,
messianismo é a crença na vinda de um messias, de um redentor, que vai redimir
os homens de seus pecados e conduzi-los a um outro reino ou mundo, onde a
felicidade prevalece. O messianismo sebastianista foi gerado a partir de
diversas circunstâncias históricas.
Governado por Dom João
III, o rei que deu início à colonização do Brasil, Portugal corria o risco de
ver seu trono parar nas mãos de um espanhol, caso o monarca não deixasse um
sucessor ou herdeiro. O nascimento de um neto de dom João - Dom Sebastião - em
1554 resolveu temporariamente o problema.
Ainda antes de nascer,
dom Sebastião se tornou conhecido por "o Desejado", uma vez que
personificava o desejo coletivo de independência portuguesa. Aos três anos foi
aclamado rei de Portugal, embora o governo propriamente dito ficasse nas mãos
de um regente, até que ele atingiu os 14 anos e subiu ao trono.
Ascenção aos céus e o
Quinto Império
Entre outros presentes
que recebeu, então, ganhou de um poeta uma singela obra que lhe foi dedicada:
nada menos que a maior epopéia da língua portuguesa, "Os Lusíadas",
que Luís de Camões lhe ofertou. Mas nem tudo foi esplendor na vida de Dom
Sebastião. Profundamente religioso, animado pelas histórias heróicas de combate
contra os muçulmanos, o jovem soberano resolveu conquistar o Marrocos para a
cristandade.
Na batalha de
Alcácer-Quibir, contra os mouros, em 1578, foi morto com a maioria das tropas
lusitanas. Para os portugueses o trauma foi enorme, até porque, dois anos
depois, o trono luso passaria às mãos do rei FelipeII da Espanha. A reação da
nação lusitana aos fatos se deu no nível do imaginário e nasceu um mito.
Segundo a lenda, em
meio ao caos da batalha no Marrocos, os céus se abriram e uma legião de anjos
levou dom Sebastião para o lado de Deus, de onde ele haveria de retornar, como
redentor do povo português. O Quinto Império - reinado mítico de dom Sebastião
- se caracterizaria pela justiça e a fartura.
O monarca no Nordesde
Pois bem, esse mito
foi trazido pelos colonizadores ao Nordeste do Brasil e também comoveu os
habitantes da região, uma vez que, como Portugal, a colônia brasileira
permaneceu sob domínio espanhol até 1640.
As manifestações
coletivas do sebastianismo em solo brasileiro, porém, só aconteceriam no século
19, em Pernambuco e na Bahia. Foram os episódios do Rodeador, no atual
município de Bonito (PE), em 1819, o Reino da Pedra Bonita, já mencionado no
início, e a Guerra de Canudos, de 1897-98.
Todos eles são
manifestações de religiosidade e de insatisfação social de populações carentes,
e tiveram desfecho trágico, com a intervenção do governo para acabar - a bala -
com os agrupamentos que se formaram em torno dos "profetas"
sertanejos. Na impossibilidade de comentar cada um deles, relate-se o caso de Pedra
Bonita.
Sebastianismo caboclo
Em 1836, o mameluco
João Antônio dos Santos passou a pregar que Dom Sebastião estava encantado na
Pedra Bonita, de onde era necessário libertá-lo, para que ele implantasse um
reino de justiça, prosperidade e liberdade no sertão. Supõe-se que João Antônio
dos Santos não acreditava muito no que dizia e se aproveitava da credulidade da
população local.
No entanto, o
"reino" de João Antônio incomodou os fazendeiros, que perdiam seus
trabalhadores para a Pedra Bonita, e a Igreja, que via a manifestação como blasfêmia.
João Antônio fugiu do local e "exilou-se" no Ceará. Mas manteve viva
a chama do sebastianismo em Pedra Bonita, por meio de seu cunhado João
Ferreira.
Ao contrário de seu
antecessor, Ferreira era um fanático, além de maníaco sexual. Para se ter uma
idéia, todas as noivas de sua comunidade tinham que dormir com ele na primeira
noite antes de casar-se. Ferreira, ademais, já era um polígamo consumado, tendo
se casado com sete mulheres.
O delírio místico do
auto-intitulado rei João Ferreira teve seu ápice quando ele proclamou que a
Pedra só se desencantaria quando lavada por sangue. Os sacrificados
ressuscitariam poderosos e imortais. A noção de fanatismo é suficientemente
conhecida em nossa era de homens-bomba. Fanáticos não hesitam em dar a vida por
suas crenças.
Sangue e fogo
O pai de João Ferreira
foi o primeiro a se suicidar. Uma das mulheres do líder foi degolada por ele
mesmo. A Pedra foi, de fato, lavada com sangue, mas não se desencantou. Foi o
que bastou para Pedro Antônio, um cunhado de João Ferreira, declarar que a
Pedra reclamava o sacrifício do próprio rei. João Ferreira foi brutalmente
assassinado pelos seus seguidores e Pedro Antônio proclamou-se o novo rei.
Contudo, um vaqueiro
que presenciara os primeiros sacrifícios denunciou a tragédia às autoridades e
uma tropa de homens, comandada pelo major Manuel Pereira da Silva, dirigiu-se
ao local para dispersar os fanáticos. Houve resistência e muitos fanáticos
morreram inclusive Pedro Antônio. Era o fim do Reino da Pedra Bonita em 18 maio
de 1838.
Em 1993 surge a
Cavalgada à Pedra do Reino. Festa de mouros e cristãos, sendo uma homenagem às
tradições ibéricas buscando inspiração na temática das Cavalhadas,
especialmente na lenda “Carlos Magno e os doze pares de França” – bastante
propagada nos cordéis nordestinos – e no sebastianismo.
Entre bandeiras azuis
e encarnadas, com meias-luas, cruzes de malta e outros ícones armoriais, a
nossa cidade se prepara neste período para receber os visitantes e marcar mais
uma vez os festejos da tradicional Cavalgada à Pedra do Reino.
Valdir José Nogueira
de Moura